Numa época em que grande número de valores tradicionais, até a própria verdade tem sua validade posta em questão, a educação para a seleção e para o senso de valor e desvalor adquire uma importância capital.
Apesar de estar consciente desses problemas, gostaria de tentar assentar alguns princípios básicos, que pudessem contribuir para a construção de uma teoria de valores no campo da arte; porque acredito que o futuro de nossa arte dependerá, decisivamente, do estabelecimento de uma consciência de valores.
O conceito valor não pode ser definido rigorosamente. Ele pertence àqueles conceitos abrangentes como ser, existência, realidade, entre outros, que não comportam uma definição propriamente dita. Por conseguinte, podemos apenas tentar aclarar o sentido da palavra valor.
Não me proponho a dar uma resposta definitiva aos problemas persistentes e variáveis dos critérios de valor na arte, mas pura e simplesmente, no sentido de uma contribuição para a resposta e discussão de questões básicas e importantes da criação artística de nosso tempo; especialmente nos países do Terceiro Mundo, isto é, nos países que não possuem uma tradição artística como é entendida no mundo ocidental. .
Valor não é qualidade absoluta. Valor é a qualidade relativa de um objeto a ser valorizado, que exprime uma relação — e, mais precisamente, uma relação dinâmica — entre este e o homem, consequentemente entre este e a sociedade.
Valor é sempre valor para uma determinada pessoa ou para um determinado grupo de pessoas. Portanto, valor relativo.
Dessa forma, para os índios que vivem hoje no Xingú, por exemplo, ou para as tribos originárias ainda existentes, nem a Heróica de Beethoven, nem uma obra de Chopin, Liszt, Stravinsky, Schoenberg ou Ligeti representam para eles valores.
O valor de uma obra de arte depende primeiramente de sua função na sociedade, ou seja, do homem que a apreende, do apreciador, do consumidor. Por função entendo aqui ser eficaz, de uma determinada forma, dentro de um dado contexto.
A compreensão de uma obra de arte, no entanto, só é possível quando esta puder ser entendida por um apreciador com sensibilidade artística e estética. A sensibilidade no campo da arte depende, por sua vez, da inteligência, do ambiente sociocultural, da língua, da tradição, da cultura, da educação e de outros fatores similares.
Tal compreensão, portanto, pode se dar de diferentes maneiras. Apreciadores com bagagem sociocultural diferente colocam-se de forma diversa frente a uma obra de arte e vivenciam esta de formas diferentes.
Em minhas exposições, parto do princípio de que a Arte, primeiramente, é um meio de comunicação, um veículo para a transmissão de ideias e pensamentos, daquilo que foi pesquisado e descoberto ou inventado, um meio de comunicação que faz uso de um sistema de sinais. Portanto, por assim dizer, de linguagem artística.
Partindo da concepção de que a Arte é um meio de comunicação, que se serve de uma linguagem, pode-se concluir que uma contribuição para a tomada de consciência do novo, ou do desconhecido, seja uma das mais importantes, se não sua mais importante função.
A arte é, em primeiro lugar, uma contribuição para o alargamento da consciência e para a modificação do homem e da sociedade. Entendo aqui por consciência a capacidade do homem de apreender os sistemas de relações que atuam sobre ele, que o influenciam e o determinam: as relações entre um dado objeto ou processo e o homem, o meio ambiente e o eu que o apreende. Essas funções e tarefas são diferentes para cada grupo social e desempenham, no campo da cultura, diferentes tipos de tarefas.
Não se deve, no entanto, esquecer que a fraqueza de um conteúdo histórico ou ideológico, por assim dizer, mesmo apresentando-se perfeito quanto a forma ou em uma ação artística aparentemente perfeita, não garante um valor claramente artístico, em virtude da insignificância do desvalor de seu conteúdo.
Por outro lado, mesmo a experiência mais profunda e mais cheia de significado do artista, não encontra ressonância no apreciador se não for transmitida de forma inteligível. Isto é, se o artista não utilizar uma linguagem, uma forma de expressão ou de representação que seja acessível ao apreciador; quando o repertório dos signos da linguagem (o vocabulário, por assim dizer) e a respectiva sintaxe não forem suficientemente familiares ao apreciador; quando a escolha dos signos artísticos e seu emprego em termos de redundância e informação não corresponderem, pelo menos aproximadamente, ao grau de conhecimento do apreciador.
Esta forma artesanal, parecida com o discurso linguístico, no qual o conteúdo artístico é expresso ao apreciador (espectador), eu designaria como um critério importante, mas não decisivo, para a valorização da obra de arte. Em outras palavras, só têm valor aquelas obras cujos critérios formais e de conteúdo se correspondem satisfatoriamente; quando estes estão conectados um ao outro pela vivência do criador ou, mesmo, de quem a interpreta. Ou seja, quando forem ligados humanamente (em relação ao conteúdo) e artisticamente (em relação à forma) pela contribuição individual do artista.
Importante para a valorização de uma obra de arte, ou de uma ação artística, é o critério em consequência do qual esta tenha de informar: tenha de comunicar algo novo, desconhecido ou pouco conhecido. Isso nos mostra o que o artista vivência e sente em seu campo de ação, o que ele seleciona e vivência desse campo de ação, para que lhe sirva como expressão artística. Esse mesmo critério revela-nos, ademais, a que tipo de arte, corrente ou tendência ideológica ou estética, o artista se confessa e o que, em seu tempo, ele afirma como sua orientação filosófica e intelectual.
Assim, para mim, o critério mais objetivo e mais convincente do valor e desvalor da obra de arte, e da atividade artística em geral, é o estilo pessoal, de cunho próprio do artista. Porque através dele, através da obra ou da respectiva atividade artística, a experiência de novos conteúdos é forçosamente transmitida ao apreciador; desperta nele sentimentos e pensamentos que transcendem o âmbito exterior da obra de arte ou da ação artística.
A obra de arte de uma personalidade artística forte, não perde seu valor, nem mesmo quando a realização técnica, artesanal, aparentemente deixa a desejar. Personalidade significa comunicação de algo novo. Porque personalidades podem ser parecidas, mas nunca idênticas. Portanto, são sempre novas, incomuns e forçosamente raras. Raridade, porém, é valor, é valor de raridade, em todas as culturas, até mesmo nas chamadas primitivas, que ainda hoje existem entre nós.
Estilo é a mensagem pessoal do artista, medida de valor, critério e juízo valorativo, e a vivência pessoal do conteúdo da informação de sua arte, isto é, comunicação do novo é a interpretação pessoal desse conteúdo e satisfaz assim à função social de sua atuação artística.
Estilo não é jamais imitação, mediocridade ou aquilo que agrada à maioria, que faz sucesso; estilo é marca da personalidade, marca de distinção, a expressão da vivência individual, do conteúdo da informação transmitida. Estilo é o próprio ser humano.
A força da vivência individual, portanto o estilo pessoal, confere à obra função, formato, grandeza e ascendência, ou seja, valor.
É importante notar que essa força da vivência individual do artista continua a atuar em nós, por muito tempo, na chamada correalidade da obra, mesmo quando esses sentimentos se baseiam em ideias e pensamentos, que, por algum motivo, já se tornaram estranhos, fato esse que leva alguns artistas a criarem para a posteridade. A função do artista, no entanto, não é a de criar para a posteridade, mas para o presente, isto é, criar para a sociedade na qual vive e atua.
O entendimento da obra de arte, em que estética e valorização racionalistas — frequentemente, positivistas e mecanicistas — tradicionais, assim como uma estética integrante, na qual o racional, o espiritual e o intelectual se completam; um tal entendimento da arte e uma tal estética podem dar uma contribuição importante para o advento de um mundo em que o homem e a sociedade sejam componentes essenciais. Um mundo que esteja a caminho da realização de um grau máximo de veracidade. Um mundo, dentro de um sistema de partes inseparáveis que se influenciam mutuamente, em constante renovação, em que valor e desvalor se tornam complementares.